Um dia, andando pelas ruas de Paris, Hippolyte Léon Denizard Rivail encontrou-se com um amigo de nome Carlotti, que Ihe descreveu uma serie de eventos extraordinários, supostamente provocados pela ação direta de espíritos.
Curioso e ainda descrente, Rivail começou a frequêntar algumas reuniões - e teria visto seu ceticismo virar picadinho ao observar mesas e outros objetos ganharem movimento inteligente, sem a ajuda de qualquer pessoa ou mecanismo especial. Disposto a entender esses fenômenos, Rivail mergulhou no estudo de várias correntes do misticismo e começou (num gesto que viria a confirmar suas inclinações científicas) a experimentar e repetir vários daqueles que seriam fenômenos de comunicação com o mundo dos mortos.
Numa das sessões que presenciava, Rivail ouviu de um médium que ele já fora um celta clamado Allan Kardec. E que, como Kardec, ele deveria reunir os muitos ensinamentos e conclusão dos últimos séculos numa doutrina que propagasse os ideais de Cristo e trouxesse alívio para os corações dos homens. Imbuído desse espírito, Kardec começou a trabalhar na síntese que gerou o espiritismo.
Em 1857, Kardec trouxe à luz O Livro dos Espíritos. É a partir dessa obra que se pode falar em "Espiritismo" (a palavra, aliais, é um neologismo cunhado pelo próprio Kardec para diferenciar a nova filosofia dos inúmeros espiritualismos que estava na moda). E outro elemento de diferenciação com as demais, tinha a retórica livremente inspirada no vocabulário e no método expositivo dos livros de ciências naturais do século XIX. Uma linguagem sintética, facilmente compreensível e nada hermética.
A nova filosofia iria despertar a fúria da Igreja Católica. Os motivos dão força a um debate que, mesmo hoje, mais de cem anos depois ainda inflamam adeptos e estudiosos acadêmicos. Primeiro motivo: no Espitísmo, Cristo não é o filho de Deus - mas um espírito mais evoluído. Segundo motivo: a Redenção no Catolicismo é um evento único, total, universal. No Espiritismo ela se dá em conta-gotas, a cada passo de evolução de cada um dos espíritos.
Só essas duas diferenças já serviriam para provocar uma cisão. Sem falar na possibilidade de reencarnação, que não existe no Catolicismo. Mas - pelo menos entre os espíritas - a identificação com a fé cristã é total. "A fé espírita é baseada nos ensinamentos de Jesus logo, é uma religião" afirma Durval Ciamponi, presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo.
Esse alinhamento com os evangelhos pode ser explicado pelas perseguições sofridas pelos adeptos do Espiritismo. Já em 1861, o bispo de Barcelona, na Espanha, promoveu um auto-de-fé com livros espíritas. Uma enorme fogueira queimou os livros de Kardec Junto com a Igreja, nessa mesma época cientistas e políticos europeus iniciaram uma poderosa campanha de difamação do Espiritismo.
No final das contas grande parte dos estudiosos acadêmicos do Espiritismo considera a religião uma espécie de neocristianismo. "Jesus Cristo é um elemento comum entre as duas religiões. As diferenças não apagam as semelhanças".